sexta-feira, 2 de julho de 2010

Qing, Qing!

Poetas e calígrafos chineses de várias dinastias têm sua história e a de suas obras associadas aos prazeres do vinho. "Como todas as culturas da terra, a refinada cultura chinesa buscou os meios para conseguir que a mente pudesse liberar-se da rigidez das convenções, da lógica racional e da limitação do cotidiano para vagabundear pelo mundo do imaginário", analisou Jacques Pimpaneau no livro Celebración de la embriaguez (José J. de Olañeta, editor/2004) – ensaio no qual costura suas reflexões com a poesia dos mestres chineses. Num primeiro momento, drogas foram usadas para essa desejada viagem de inspiração. Com o tempo, o consumo de vinho tomou o seu lugar. Não existe na China uma palavra específica para vinho – jiu vale tanto para fermentados quanto para licores. E na maioria dos casos está associada a vinho de cereais e de frutas, inclusive de uva. Taoísta, Li Bo (701-762), o "poeta embriagado", achava que só a bebida era capaz de levá-lo a lugares frequentados por imortais (para Li Bo lugares melhores do que os tomados por sábios), meio de escapar das limitações da condição humana. "Três taças e tu estás em contato com o grande Tao; uma vasilha inteira e estás em harmonia com o Universo", escreveu. Tao Yuanming (372-427) explicou em versos porque gostava do vinho: "Bebo uma taça e minhas preocupações desaparecem/Bebo outra e até me esqueço do céu". Tao Yuanming adicionava pétalas de crisântemos a seu vinho para perfumar a bebida. Su Dongpo (1036-1101), poeta mas também pintor, calígrafo e ensaísta, preparava ele próprio seu vinho de arroz. Su Dongpo e Zhang Xu, outro mestre calígrafo, antes de "desenhar" nos finos papéis, brindavam com taças de vinho em verdadeiras performances. Durante a dinastia Tang (618-907), vinho de uva aparece num poema de Wang Han: "Um bom vinho de uva em uma taça brilha à noite./Tenho desejo de beber, mas o alaúde me incita a montar no cavalo (...)" Durante as movimentações na Ásia Central, os chineses encontraram vinhedos e aprenderam a fazer bom vinho, técnica que os locais haviam herdado de civilizações do Oriente Próximo. Esse vinho de uva caiu em desuso durante vários séculos, até voltar com os missionários cristãos. Mais tarde, os soldados sob as ordens de Napoleão III chegaram à França, depois da campanha da China, impressionados com os rituais: antes do primeiro trago, brindavam com a expressão "Chín, chín! (Qing, Qing!) – onomatopéia do tilintar de taças, o hoje universal "tim-tim", nas também sinônimo
de felicidade. Em dose dupla, muita felicidade.

DC de 02/07/2010

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