sexta-feira, 30 de maio de 2014

Tostado Madeira

- Jogue fora, marinheiro, o vinho estragado que sobrou nos barris, ordena o capitão do navio português que acaba de lançar âncoras no Porto de Funchal, Ilha da Madeira, retornando de uma exaustiva viagem a Hong Kong. O marinheiro, inconformado com o aparente desperdício em descartar vinho a peixes que gostam mesmo é de água, trata de roubar um último trago de uma das barricas. E não demora nada para constatar que o vinho tido como "vencido" pelo capitão está muito melhor do que quando havia zarpado. Diz a lenda, do século XVI, que foi uma festa só. E, a partir daí, os vinhos da Madeira, "arredondados" ao enfrentar viagens oceânicas à Índia, China e Japão, passaram a ser disputados em cada porto da rota. Eram então os valiosos "vinhos do retorno", os mesmos cuja função inicial muitas vezes era apenas de lastro dos navios. Esses vinhos gostavam mesmo dessas viagens desgastantes, chegavam a demorar um ano, sob sol escaldante, ao balanço irrefreável das ondas e, "heresia enológica", cruzavam a linha do Equador sem cerimônias. Sob essas condições, um outro vinho qualquer levaria seu comerciante à ruína. Essa prática de rolar o vinho Madeira pelos mares durou até 1794, quando descobriram técnicas de aquecê-lo artificialmente em fornos e estufas nas próprias vinícolas, prática que até hoje fazem do Madeira um vinho surpreendente, com um sabor “tostado” inimitável, "uma bala toffee com precisa acidez". Era século XV quando sob inspiração de Henrique, o Navegador, mares do gigante Adamastor foram desbravados e veio à luz, por exemplo, o demarcador Cabo da Boa Esperança. Pouco antes disso, entretanto, os portugueses já tinham descoberto essa pequena ilha, de pouco mais de 700 km², 800 quilômetros a oeste do Marrocos, a vulcânica e então inabitada ilha da Madeira. O soberano Henrique logo ordenou que ali fossem plantadas videiras da casta Malvasia, pois queria competir com venezianos e genoveses, que monopolizavam o comércio do vinho desde o século XIII. Foi preciso por abaixo a floresta inteira, que ardeu num incêndio que durou alguns anos. O crítico inglês Hugh Johnson diz que as cinzas da floresta ajudaram na fertilização do solo vulcânico. "As vinhas (de casta doce mediterrânea), a cinza e a lava estabeleceram o caráter forte, defumado e de especial doçura dos vinhos da Madeira", escreveu Johnson em Wine (Mitchell BeazleyPublishers/ 1974). As exportações do vinho da Madeira ganharam em expressão com os ingleses, fartos do monopólio "leonino". Foi decisivo o casamento da princesa portuguesa Catarina de Bragança com Charles II da Inglaterra, em 1661. O vinho Madeira passou a entrar sem restrições em todas as colônias do Império. Foi ideia de Catarina trocar a cana de açúcar, até então o grande produto de exportação da ilha, por videiras. A facilidade de trânsito desse vinho, logo o levou à colônia americana. Com Madeira foi saudada a independência americana e com ele brindada a posse de George Washington, o primeiro presidente dos Estados Unidos. Anos mais tarde, em 1800, Napoleão seria ao mesmo tempo um problema e uma solução para esse vinho. O embargo napoleônico diminuiu o comércio da Madeira, mas os vitivinicultores acabaram inventando um método para preservar seus estoques, fortificando seus vinhos com destilados. Isso acabou incrementando a qualidade da bebida, que hoje é listada ao lado do Porto, Marsala e Sherry. As uvas mais empregadas na vinificação do Madeira são: Malvasia, Sercial, Verdelho, Boal e a Tinta Negra, além de outras com produção diminuta: Terrantez, Bastardo, Listrão e Complexa. Ao longo dos séculos, várias famílias de Madeira foram nascendo. Por lei, em relação ao grau de docura, há o seco, meio seco, meio doce e doce. Mas há também uma classificação dos vinhos com indicações de idade, que variam de 3 anos a 40 ou mais. São vinhos de corte, de várias safras. Já os vinhos de uma safra só chamam-se Colheita ou Frasqueira e são o que de melhor se produz por lá. São "imortais" e conseguem se manter vivos por séculos. ZINDICATE - Para comemorar os 10 anos da Wine Guerrilla, em Sonoma, na Califórnia, os entusiastas da cepa Zinfandel (a uva americana por excelência) anunciam o lançamento de vinhos com outras castas. Um dos rótulos é o McClain Vineyard Alexander Valley Petite Sirah, safra 2012, da propriedade de John McClain, de vinhedos em Geyserville. WINES OF BRASIL - Dados da Wines of Brasil mostram que a exportação brasileira de vinhos engarrafados quadruplicou nos primeiros meses de 2014, impulsionados pelos negócios com grandes redes varejistas da Europa e do japão. O valor de US$ 5,75 milhões do primeiro quadrimestre de 2014 é 375,5% maior do que o do mesmo período de 2013. Roberta Baggio Pedreira, gerente do Wines of Brasil, disse ao site do Ibravin, que "a Copa ajudou a catalisar um processo de construção de imagem e aproximação comercial e dos vinhos finos brasileiros no Exterior que vem sendo realizado há 10 anos." DC de 30/05/2014

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