sexta-feira, 18 de junho de 2010

Randall Grahm, transbordante

O prometido livro do vinicultor californiano Randall Grahm, Been Doon So Long (University of California Press/2009), é tão transbordante quanto seu autor. Reúne ensaios filosóficos sobre a produção do vinho – ele mesmo já se definiu como philosophe manqué – e textos de palestras que fez para plateias especializadas ao redor do mundo, além de sua cuidada e irreverente produção ficcional sobre o tema: “viterature”, poesia e até óperas. Grahm foi o mais autêntico dos rhonerangers, como são conhecidos os americanos que cultivam à francesa cepas clássicas do Vale do Rhône, mourvèdre e grenache. A vinícola Boony Doon foi fundada em 1983, criou vinhos cultuados mundo afora como o Cardinal Zin e Big House. Hoje Grahm “se livrou” desses vinhos que começaram a ser produzidos em escala e está mergulhado em vinhedos da uva riesling nas escarpas do rio Columbia, em Washington. É defensor intransigente do terroir e da qualidade das uvas na equação do bom vinho. É também um dos craques do vinho biodinâmico.
O crítico inglês Hugh Johnson escreve na apresentação do livro que o vinho também precisa de palavras em seu caminho entre ser notado e – aqui a melhor parte – bebido. Conhecemos bem as palavras viciadas da crítica de uma nota só e seu jargão excludente. Por isso o elogio rasgado do inglês às palavras originais de Grahm, um escritor que, mais do que tudo, está envolvido até a alma na produção de vinhos – a paixão do viticultor encharcando a pena do escritor. Grahm levou bom humor a uma indústria que se fechava em seriedades. Seus rótulos fora do comum, alegres, foram os primeiros passos. Grahm "reescreveu" textos clássicos a partir de uma verve satírica. Em "Cheninagin’s Wake – James Juice Takes de Wine Train", de 1994, uma de suas primeiras incursões literárias, Grahm traz o vinho e a uva chenin (a roussane a a marsanne como coadjuvantes) para o terreno de James Joyce, o celebrado Finnegans Wake e todo seu experimentalismo. “Chenin again, began again! Slake. Roussanity, marsannemanme! Till sousendsthee. Mls. The keys to. Swallowed! Oy vay a Rhône a lapse a loved a long the”. Em "Don Quijones, the Man for Garnacha", a brincadeira (séria, como assinala Johnson) é com Dom Quixote. No texto de Grahm, a crítica aos rankings de vinhos aparece no dia a dia de Don Quijones. No lugar de viajar em textos de cavalaria, está mergulhado em guias de vinho. Don Quijones é inclusive assinante da newsletter bimensal Avocado del Vino (uma referência ao polêmico crítico americano Robert Parker Jr. e sua revista Wine Advocate) e da “risível” El Gran Inquisidor del Vino (Wine Spectator?), capazes de provocar, como na realidade, uma mistura de “raiva e fascinação” no herói. Em "Da Vino Commedia: The Vinferno", a mais ambiciosa das "adaptações", com os pés nos lagares de Dante Alighieri, uma alegoria “al dente” escrita em plena negociação de venda de parte da vinícola e todas as angústias do negócio. Entre os vinhos e vinhedos do Grahm da ficção, sua Vinthology, encontramos também Franz Kaffeika e J.D.Salignac, este com o autobiográfico A Perfect Day for Barberafish.

https://www.bonnydoonvineyard.com/biography/

Diário do Comércio de 18/06/2010

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